Chefão da PF deseja que o país se finja de bobo.
O chefão da Polícia Federal, Fernando Segovia, sinalizou que
o inquérito contra Michel Temer no caso dos portos deve ser arquivado, porque
“se houve corrupção não se tem notícia ainda de dinheiro de corrupção”. Ele
declarou também que o delegado que interrogou o presidente por escrito ''pode
ser repreendido”. Ou pior: “Pode até ser suspenso.” Dizer que essas declarações
são impróprias é pouco. Segovia perdeu o recato. À frente da Operação Abafa a
Jato, ele esqueceu de maneirar. É como se pedisse ao país para se fingir de
bobo pelo bem de Temer.
No afã de socorrer o presidente, Segovia tornou-se um
personagem desconexo. Quando há mala de dinheiro no lance, ele diz que não há
corrupção. E lamenta que a investigação tenha sido tisnada pela pressa. Quando
ainda não se chegou à grana, ele recomenda o arquivamento apressado —embora não
descarte o roubo: “Se houve corrupção…” Nos dois casos, fica-se com a sensação
de que a PF é comandada por um detetive que considera inconveniente arriscar a
estabilidade do governo por algo tão supérfluo e relativo como a verdade.
Melhor combinar que nada aconteceu. E não se fala mais nisso.
Segovia chegou ao topo com o apoio do suspeito José Sarney e
o aval do denunciado Eliseu Padilha. Sua posse na direção da PF foi ornamentada
com a presença de Temer, o primeiro presidente da história denunciado
criminalmente no exercício do mandato. Na sua primeira entrevista, o delegado
rasgou, por assim dizer, relatório em que a PF informara ter reunido evidências
que apontam, “com vigor”, para a participação de Temer nos malfeitos que
levaram à filmagem do seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures recebendo propina de
R$ 500 mil da JBS.
''Uma única mala talvez não desse toda a materialidade
criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime, quem
seriam os partícipes e se haveria ou não corrupção'', disse Segovia na ocasião.
Criticou a pressa de procuradores e agentes federais. Com razão, sustentou que
uma apuração mais lenta e criteriosa levaria aos destinatários finais da mala.
Segovia esqueceu apenas de mencionar um par de detalhes: 1)
O interlocutor de Joesley Batista no grampo do Jaburu é Temer; 2) Na conversa,
o presidente indicou Rocha Loures como preposto, pessoa de sua mais estrita
confiança. De resto, o delagado esquivou-se de anunciar uma providência. Poderia
ter dito algo assim: “Farei o que estiver ao meu alcance para que as lacunas da
investigação sejam preenchidas.”
De repente, o doutor invade novamente o palco para
desqualificar o inquérito que pode resultar na terceira denúncia contra Temer.
Como se fosse pouco, Segovia achou conveniente ameaçar o delegado responsável
pelo inquérito dos portos, Cleyber Malta Lopes. O presidente ficou uma arara
com o teor do interrogatório que lhe chegou por escrito. E Segovia tomou-lhe as
dores, dispensando ao subordinado um tratamento de criminoso, passível de
repreensão ou suspensão.
De fato, o delegado Cleyber precisa se explicar. Cometeu
vários crimes. O primeiro foi o de existir. Este poderia ser classificado como
um crime menor, uma contravenção tolerável. A coisa tornou-se grave quando,
além de existir, o doutor acinou o olfato. Foi ainda mais longe: abriu os
olhos. Finalmente, percebeu-se que o investigador da PF, num claro desafio à
ordem estabelecida, cometeu um crime imperdoável: investigou.
Para desassossego de Segovia, o delegado Cleyber e sua
equipe não estão sozinhos no seu esforço para subverter as regras do jogo.
Ganharam a companhia do ministro Luis Roberto Barroso. Relator do inquérito dos
Portos no Supremo Tribunal Federal, Barroso intimou o falastrão a prestar
esclarecimentos. Em seu despacho, realçou que não considera apropriado que um
diretor da PF se manifeste sobre o mérito de um inquérito com diligências por
realizar e sem manifestações conclusivas do delegado, da Procuradoria e do
próprio ministro-relator.
Barroso determinou a Segovia que leve sua língua na coleira.
Novas declarações sobre o caso não serão admitidas, pois o que já foi dito é
suficiente para sujeitar o tagarela a processo administrativo ou até penal.
Receoso, o mandachuva da PF inaugurou um número novo no palco: em pleno sábado
de Carnaval, dançou a coreografia da enganação. Disse que suas declarações
foram mal interpretadas. Skindô… E espera que o ministro do Supremo acredite
que a culpa é da imprensa. Skindô-skindô…
Segovia e seus padrinhos políticos ainda não notaram. Mas a
Lava Jato estreitou-lhes a margem de manobra. Sabe-se que o Planalto se esforça
para levar as investigações apenas até o limite do conveniente. Quem já foi
recompensado com o congelamento de duas denúncias na Câmara fica tentado a
minimizar os problemas: mais uma pantomima, menos uma pantomina… Mas o
sentimento de invulnerabilidade não autoriza a suposição de que o Brasil se
tornou uma nação de bobos coniventes. Depois da Lava Jato, ficou mais difícil
fazer conclamações ao sacrifício patriótico da inteligência. (Josias de Souza)
Ooo0ooo
A Impunidade, sempre a impunidade!
Mesmo a turma que vive dentro de uma bolha, no mundo da lua,
com fones de ouvido e óculos de realidade virtual concordará com a afirmação de
que soltar bandido é um mau exemplo. A impunidade faz mal. Gilmar Mendes acaba
de mandar outro para casa. Uhuh! A gangue do guardanapo respira ainda mais
aliviada e já pode pensar em novas put**ias, para usar a desavergonhada
expressão com que o próprio beneficiado pela medida se referiu a seus crimes.
Mais adiante, a ação penal enfrentará nosso prodigioso sistema recursal.
Há três anos, o Brasil festejou a decisão do STF que
autorizou a execução provisória das penas após decisão em segunda instância. Na
vida real de todo criminoso abonado, a regra até então vigente funcionava como
um habeas corpus de crachá. Sentença definitiva com trânsito em julgado era
sinônimo de “nunca”. Por isso, a nação aplaudiu e reconheceu a importância
social da decisão, enquanto as manifestações contra o novo entendimento resumiram-se
ao círculo dos advogados criminalistas, bem como aos garantistas e
desencarceramentistas (sim, isso existe e está em atividade).
Não obstante, subsistem inconformidades no STF. Há ministros
que preferem a moda antiga, creem que coisas bem feitas exigem vagar,
demandando a quase pachorra de certos artesanatos. Doze horas para um costelão
bem assado, três anos para um pedido de vistas, no mínimo oito para um uísque e
duas décadas para um processo bem julgadinho. Suponho que, nesse entendimento, a
prescrição, arraste consigo a sabedoria do tempo. Eis por que a caneta usada
por alguns ministros para soltar presos parece não ter tampa. É claro que a
sociedade fica indignada com essa conduta. Afinal, ela é outra face da mesma
impunidade que viabilizou o cometimento de tantos e tão danosos crimes ao longo
dos últimos anos. Das esquinas aos palácios. Os indultos, as progressões de
regime e as atenções dadas a dengues e privilégios de alguns fidalgos de
elevada estirpe ampliam o mal-estar.
Eu ficaria até constrangido de examinar a possibilidade de
que o caso Lula possa influenciar as posições dos ministros sobre a prisão após
condenação em 2ª instância. Não farei isso. Meu assunto, aqui, diz respeito às
consequências sociais do retorno à regra da impunidade. O país não suporta
mais. A impunidade não é parteira, apenas, da criminalidade. Ela estimula o
retorno ao estado de natureza, a uma situação hobbesiana. Se o comando do jogo
fica com o crime, os indivíduos tomam as rédeas em que possam deitar mão. As vaias
cada vez mais assíduas nos aeroportos e aeronaves nacionais são o preâmbulo de
algo que não se pode tolerar, tanto quanto não se deve tolerar a impunidade. (Percival
Puggina, arquiteto, empresário e escritor)
Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo. (Carlos Drummond
de Andrade)
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